BRASÍLIA ??? Em pelo menos 14% das escolas que recebem recursos do programa Mais Educação do governo federal, para ofertar ensino de tempo integral, houve paralisação das atividades devido a interrupções no repasse das verbas. A constatação, verificada entre o segundo semestre de 2014 e o primeiro deste ano, faz parte de estudo inédito da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) obtido pelo GLOBO. Ligado ao Ministério da Educação (MEC), o instituto aponta o funcionamento inadequado do projeto em 15 estados e no Distrito Federal, que obtiveram nota menor que 70, numa escala de 0 a 100, em índice de avaliação criado pela Fundaj.
Somente dez unidades da Federação, incluindo o Rio de Janeiro, receberam de 70 a 79 pontos na avaliação, nível considerado ???bom??? pelos pesquisadores. Roraima é o único lugar com menção 80, que aponta um ótimo cumprimento de normas preconizadas no programa federal: jornada mínima de funcionamento, currículo e planejamento pedagógico adequados às diretrizes da educação em tempo integral, e presença de um profissional que atue como coordenador do projeto. O índice do Brasil foi 68.
??? A média brasileira está razoável, próximo de bom, que seria um índice de 70, mas precisa melhorar muito. O grande problema, hoje, é a interrupção do programa por causa de atrasos no repasse dos recursos. Verificamos isso quando fomos a campo ??? diz a socióloga Cibele Rodrigues, coordenadora da pesquisa da Fundaj.
Ela considera ???um absurdo??? o projeto, já anunciado pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante, de focar as atividades do contraturno do Mais Educação, hoje presente em quase 60 mil escolas no país, no reforço em matemática e português. Práticas esportivas, culturais e artísticas ficariam em segundo plano.
AULAS DE REFOR??O
Mercadante anunciou a medida logo nos primeiros dias em que tomou posse no lugar do filósofo Renato Janine Ribeiro, como uma ofensiva aos resultados ruins da Avaliação Nacional da Alfabetização. O censo do próprio MEC apontou que 22% dos alunos de 8 anos não sabem ler nem escrever.
??? Pode fazer sentido para o leigo achar que reforçando português e matemática o problema estará resolvido. Não sou contra o reforço, mas está provado, por diversas pesquisas, que o tempo integral na educação não é apenas mais sala de aula, tem que trabalhar outras dimensões ??? afirma Cibele.
A discussão divide estudiosos da área e promete criar embates internos no governo. Para Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, é possível focar em conteúdos formais, mas desde que haja estratégias alternativas de aprendizado:
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??? Duplicar o que já acontece de maneira ruim nas cinco horas da jornada regular não garante uma melhoria da qualidade da educação. O Brasil não pode entrar no que vi na Coreia, que é a obsessão por bons resultados em testes padrão, ignorando outros percalços na trajetória dos alunos.
A pesquisa da Fundaj considerou 1.638 escolas em 861 municípios de todas as regiões brasileiras, abrangendo informações apenas das turmas de tempo integral, uma vez que os colégios não costumam ofertar a jornada ampliada para 100% dos alunos. A amostra é representativa do país, com margem de erro de 5% para mais ou para menos.
A pesquisa mapeou os locais utilizados para a realização de atividades do Mais Educação fora dos muros da escola. As praças, embora sejam o equipamento mais citado, são usadas por apenas 38,8% dos alunos do projeto. Centros comunitários (31,4%) e parques (27,4%) vêm em seguida. Cinemas ou teatros fazem parte do programa para menos de 20% dos atendidos.
EFICÁCIA DO PROGRAMA ?? QUESTIONADA POR COORDENADORES
A pesquisa da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) constatou ainda que um terço dos gestores do Mais Educação tem dúvidas se o programa impulsiona o desempenho acadêmico dos estudantes. Para os coordenadores da iniciativa, também chamados de professores comunitários, essa incerteza é ainda maior. Menos da metade (47,3%) concorda plenamente com a ideia de que os alunos do projeto melhoram em português. No caso de matemática, o índice é de 41%. No outro extremo, cerca de 14% discordam que o Mais Educação contribui para elevar a performance nas duas disciplinas.
??? Aumentar nota não pode ser o objetivo maior da educação de tempo integral, sobretudo porque estamos falando de crianças em situação de pobreza, com autoestima baixa, problemas nutricionais. Se você evita a evasão, tornando a escola agradável, já tem um caminho para o estudante começar a se desenvolver ??? diz a socióloga Cibele Rodrigues, coordenadora da pesquisa.
Para ela, ainda falta nas escolas uma concepção melhor do currículo de ensino em tempo integral, o que estaria ligado à dificuldade de mudar a cultura pedagógica consolidada no país. A pesquisa mostrou, por exemplo, que 45% dos gestores não têm qualquer formação na área de educação integral. Entre os professores, são 52,3% nessa condição.
O estudo aponta, por outro lado, que a maioria dos coordenadores do projeto nas escolas tem formação geral adequada: 45,4% concluíram pós-graduação, e 43% fizeram ensino superior. Os de nível técnico somam 2,4%, e, por fim, 9,2% têm apenas o ensino médio.
Esse profissional, explica Cibele, pode ser um professor da própria rede de ensino ou alguém de fora, desde que se dedique ao planejamento pedagógico do tempo integral na escola.
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Outra dimensão analisada no estudo, a participação democrática nas decisões relativas ao Mais Educação, engloba efetivamente cerca de 22% dos estudantes, segundo os gestores. Diretores, coordenadores e monitores aparecem como os responsáveis pela maior parte das escolhas referentes ao programa, inclusive a definição de atividades e horários.
Pouco mais de 40% dos profissionais do Mais Educação apontaram a falta de espaço como o principal entrave para desenvolver as atividades do programa. O segundo problema, citado por 25% dos gestores, é a escassez de monitores qualificados.
Em nota, o MEC informou que a Fundação Joaquim Nabuco fez uma ???apresentação preliminar da pesquisa??? na última quarta-feira, durante o Fórum Interministerial de Educação Integral. O ministro Aloizio Mercadante não assistiu à apresentação e se comprometeu a falar sobre o assunto esta semana. ???Tão logo seja entregue, o MEC fará uma análise e tomará uma posição em relação aos dados apresentados???, diz a nota do MEC.
Fonte: O Globo